Maternidade também é política?

Cuidados com o bebê | 26/11/2025

Propomos aqui trazer alguns recortes de jornal para tentar responder se há uma relação entre a maternidade e a política. Maternidade usada aqui no sentido do vínculo entre uma mulher e seu filho e as responsabilidades do cuidado físico e emocional que este vínculo envolve. Melhor seria se falássemos em parentalidade, mas é justamente esta questão que está em jogo. A expressão parentalidade inclui todos os cuidadores responsáveis pela atenção com os bebês e não só a mulher que deu à luz ao bebê.

Grosso modo política “é a arte de organizar a vida em comunidade para alcançar o bem-estar coletivo; harmonizar interesses e resolver conflitos coletivos por meio de um conjunto de ações e regras que afetam o bem público”.

A câmera dos deputados federais aprovou uma ampliação gradual da licença paternidade que chegará ao limite de 20 dias corridos. Hoje os homens pais têm direito a 5 dias corridos. A proposta inicial seria de 30, entretanto, diante da resistência do plenário, o tempo foi reduzido para 20 dias. Mas, vejam vocês, esses 20 dias serão alcançados apenas em 2029!!!! A conta deverá ser alta – o custo ficará por conta do INSS, já tão exigido. As empresas cidadãs já acrescentam 15 dias de licença remunerada àquela a qual os pais já têm direito. E vejam que interessante: a bancada feminina de todos os partidos e orientações ideológicas votaram a favor da extensão da licença paternidade.

A taxa de natalidade da China aumentou após o fim da restrição do número de crianças por casal, mas entrou em queda constante. Em 2022 registrou a menor taxa de natalidade, com as mortes superando o número de nascimentos. A baixa adesão à ideia de aumentar a família está ligada aos altos custos envolvidos nos cuidados com as crianças, além da dificuldade em obter uma rede de apoio. Para inverter a queda de natalidade o governo estabeleceu um sistema de políticas que apoiam os nascimentos. Melhores serviços e custos mais baixos em maternidades, cuidados e educação. Oferecem um subsídio em dinheiro para os casais que escolherem ter filhos, aconselhamento financeiro e até para organizar a rotina e questões do cuidado com a saúde. Mas para além disso estão financiando e apoiando a expansão de creches, reduzindo taxas e impostos aplicados a esse serviço. Algumas cidades aumentaram a licença maternidade para 158 dias, e devagar se começa a introduzir a licença paternidade, com o objetivo de promover a divisão de responsabilidades. Apesar de todo esse esforço algumas autoridades admitem que o custo financeiro de ter filhos, a busca pelo crescimento pessoal e de carreira, a sobrecarga das mulheres, ainda representa obstáculos importantes na decisão de constituir família.

Zohran Mandani, eleito o novo prefeito de Nova York, propôs, entre suas promessas de campanha, aumentar o número de creches. O fato de ter nascido em Uganda, e ter pais indianos, deu a ele uma visão de mundo de caráter progressista.

A China é um país rico, com um desenvolvimento tecnológico nunca antes visto; Nova York, a cidade mais populosa dos Estados Unidos, país mais abastado do mundo, estão ambos às voltas com as questões da maternidade e da diminuição importante dos nascimentos.

Em Outras Palavras, jornal eletrônico, Jasmin Bazan escreve um artigo perguntando se há alternativas à família atomizada e consumista. Atomizada significa estar reduzida a pequena dimensão – mãe, pai, filhos- e consumista pelo fato de a família ter que adquirir aquilo que supostamente seja indispensável ao funcionamento da casa, que nunca é pouco. A ideia central é como a família – especialmente a mulher – acumula tanto trabalho que o descanso se torna impossível. Suas multitarefas, realizadas cotidiana e noturnamente não aparecem nas estatísticas, não são remuneradas, mas ao mesmo tempo são indispensáveis para viver.

Bazan faz referência ao livro de Hezter e Srnicek “Depois do trabalho: uma história do lar e a luta pelo tempo livre”. As autoras consideram que o trabalho doméstico deve ser revisto: a casa, o lar tem um valor afetivo, é um espaço de refúgio, mas apesar disso deve ser reduzido, desprivatizado e redistribuído. Criar formas de convivência, diminuir o isolamento doméstico; as autoras se referem a um “ecossistema de instituições” que tornem o trabalho de cuidados com os filhos e a casa descentralizados, mais democráticos e que favoreçam maior socialização. A cultura ocidental valoriza a casa com arrumação impecável, refeições elaboradas (dão status) e muito investimento nos filhos (inglês, ballet, futebol, natação, circo), valorizações estimuladas pelo marketing e meios de comunicação, que acabam por naturalizar a sobrecarga dos pais. Abordam o tema das máquinas que nem sempre geram facilidades, como o exemplo curioso das bombas extratoras de leite, que compatibilizam o trabalho (emprego) e a maternidade intensiva.

As autoras propõem cooperação, ajuda mútua, formas de provisão coletivas, infraestrutura compartilhada e de alta qualidade, cozinhas e lavanderias coletivas “que devolvam o tempo e energia a quem vive exausto”.

Marx (o Karl, de O Capital) dizia que a única forma pela qual cada um de nós poderia “cultivar o espírito” seria com o rompimento da escravidão das necessidades imediatas. Para as autoras o tempo livre seria a condição para o desenvolvimento humano.

A emancipação feminina tem cobrado um preço alto às mulheres e aos bebês. Das mulheres pela carga exaustiva de trabalho à qual ficam submetidas e a exigência de se separarem precocemente dos seus bebês. Aos bebês cabe a contrapartida também da separação precoce e da adaptação à creche.

O mercado cobra bem caro à mulher que tem filhos: ela é penalizada com rendimentos menores e uma grave diminuição de postos de trabalho. É frequente a mulher, quando se torna mãe, perder o emprego e ter dificuldade em se recolocar. Não é demais lembrar que as famílias precisam do salário de no mínimo dois para dar conta da sobrevivência. A política de salários no Brasil é lamentável.

Alguns casais têm feito boas combinações: o pai fica em casa com o bebê enquanto a mulher pode se encontrar com amigas, vai ao cabelereiro ou à academia e essa divisão tem sido considerada legítima. Isto é, o companheiro considera que a mulher também tem o direito a diversão e descanso.

Quando usamos a expressão “cuidar de bebê” não estamos nos referindo apenas a um trabalho operacional. Fazer isto ou aquilo. Esta é uma questão pouco considerada. Freud escreveu:” Um recém-nascido para se tornar humano precisa de outro ser humano”, mas um ser humano que faça ligação, que se vincule com o bebê. Um contato operacional não avança nesta tarefa de tornar um bebê humano. O cuidador- mãe, pai ou substituto- para estabelecer contato precisa aprender a ler suas manifestações ainda pouco claras, suportar e acolher o choro, as dores, se dispondo a ficar junto. Abraçar é uma tentativa de dar algum sentido aquilo que o bebê expressa no corpo, é colocar seu próprio repertório de afetos, de imaginação à serviço dele. É colocar a disposição o que nem você sabe bem o que é, vem lá do fundo da sua própria história e experiência. É o que as pessoas chamam equivocadamente de “instinto”. De instinto não tem nada. A frase de uma participante da Roda define o tal instinto como “maternar é tomar uma eterna sopa e só ter um garfo”. Escapa. O trabalho da maternidade não se resume a fazer um conjunto de tarefas (que já seria muito), mas é o que outra participante conta de modo tão preciso: “a gente demora para se encontrar no novo eu, porque você deixa de ser você, passa a ser mãe do fulano, tudo gira em torno dele por um bom tempo…” Embora a participante acrescente que se “serve sem ter nada em troca”, logo logo lá vem o bebê olhando você firmemente nos olhos, sorrindo, conversando com você, crescendo. Isto é, se tornando gente.

A resposta à pergunta do título é afirmativa. A maternidade está na pauta dos governantes e no modo como cada família se organiza, ou não, para receber um novo membro da coletividade.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico.