As aparências enganam

Cuidados com o bebê | 28/05/2024

A equipe do Gamp 21 acompanha de perto os diálogos entre as mães das Rodas de Conversa. As perguntas, observações, relatos de dificuldades e momentos de desespero nos dão a dimensão no que implica cuidar de um bebê hoje. Quais as condições e circunstâncias de um grupo de mulheres de um determinado segmento social ao enfrentar o trabalho de cuidar da nova geração? Podemos, com cuidado, transformar esses diálogos numa espécie de documento cultural, de um recorte do que tem sido o exercício da maternidade hoje. A relação entre as pessoas de uma mesma geração, entre diferentes gerações se modificou substancialmente nos últimos anos, principalmente nos grandes centros urbanos. A presença maciça da internet, com todos seus desdobramentos, as turbulências políticas, a questão do clima, em seu conjunto, mudou de modo significativo a ideia de filhos e crianças no mundo. O desafio que envolve o exercício da profissão, quaisquer que seja, da subsistência em um mundo onde as posições de trabalho veem diminuindo e exigem novas e difíceis adaptações, dão ao cuidado com as novas gerações outro lugar.

À mulher não cabe mais a tarefa de cuidar dos filhos como tarefa principal. Ela se divide em várias ao mesmo tempo. Enquanto cuida do seu bebê está preocupada se manterá ou não seu lugar e posição no trabalho, do qual depende. Os homens, portanto pais, não têm mais a possibilidade de manter a casa sozinhos diante de tantas e novas exigências nos hábitos e pressões sociais. A licença maternidade, quando existe e que é sempre bem vinda, fornece à mãe um tempo de dedicação próxima, com data marcada. Chegada a data deve decidir quem cuidará do bebê, tarefa bastante delicada e difícil de ser administrada que envolverá, quase sempre, uma exigência de separação dolorosa, conduzida com intenso sentimento de perda.

Não estenderemos o tema a outras tantas variáveis envolvidas na questão. Retomo aqui uma pequena frase dita por uma das mães da Roda: “Está muito puxado, sério”. Ela estava se referindo a batalha do dia a dia dos cuidados com amamentação, sono, choro do bebê e de todas as duvidas e incertezas que envolvem sua gestão. A frase contém duas partes. Na primeira ela expressa o que está acontecendo com ela, comentando que tem sido uma tarefa exigente, envolvendo esforço, considerado maior que o suposto num primeiro momento. Traduz a ideia de difícil e cansativo. E a segunda parte, que nos interessa especialmente, onde ela nos avisa que não está fazendo uma frase de efeito, mas que é exatamente isso que ela quer dizer. Está puxado. Pode levar ainda a uma segunda forma de entender: as pessoas não costumam achar que isso de cuidar de um bebê seja afinal assim tão cansativo e desgastante. O sério poderia ser traduzido assim: mesmo que você ache que estou exagerando, que faço drama de uma coisa tão antiga e corriqueira quanto cuidar de um bebê, está difícil.

Esta mãe-mulher traz assim um tema delicado e importante: por que no senso comum, na visão da maioria das pessoas não há nada de tão especial ou intricado em se dedicar aos cuidados de bebês? Em primeiro lugar porque a própria avaliação da dificuldade é negada à mulher, como se fosse da ordem do natural e da sua essência essa tarefa. Não haveria assim espaço para pedir ajuda, para expressar suas dúvidas e sofrimento; socializam pouco esta questão, raramente se reúnem fora de casa para conversar, pouco são recebidas num espaço para troca de experiências. Há sim espaço para consultas, para pesar, medir o bebê. Mas quase nenhum espaço- que seja espaçoso- para perguntas, dúvidas, simplesmente para falar e dividir. Para tentar responder a essa necessidade o Gamp 21 organiza diferentes Rodas de Conversa (de 0 a 3 meses, de 3 a 6 e de 6 a 12 meses) via grupos de whatsapp e encontros online ao vivo também para cada faixa de idade. E a mães têm nos dado um retorno que nos leva a pensar estarmos no caminho certo.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.