Estamos num momento da história em que eficiência, rapidez, prontidão para solução de problemas, conhecimento super atualizado (porque atualizado já não serve mais) em qualquer área que seja, é o mínimo com que a gente pode se apresentar. Menos que isso é nada. É caso de perguntar para que afinal tudo isso serve se o mundo anda mesmo de cabeça para baixo. Não se morre mais de pneumonia nem de escarlatina, os computadores fazem cálculos complexíssimos em segundos, com o whatsapp encontramos as pessoas no mesmo minuto e tem gente se programando para viver em Marte. O problema, até onde sabemos, é que o ser humano continua basicamente o mesmo desde que o Sapiens apareceu lá na África há aproximadamente 300 mil anos. Os bebês continuam nascendo igualzinho e crescendo igualzinho. O conjunto das ciências consegue manter vivo um bebê prematuro, ou que nasce com um quadro grave de saúde, e as crianças têm chance de viver até 90 anos graças à evolução fantástica do conhecimento científico. E um conhecimento razoavelmente democrático, isto é, disponível para muitos embora não para todos.
Exatamente esse mesmo avanço pode tornar algumas coias mais complicadas. O bebê diante de tantas conquistas e avanços ainda continua precisando de um ano para começar a andar e falar as primeiras palavras. Pior que isso, precisa de outro ser humano para se tornar humano; a presença de alguém para receber e acolhê-lo, aqui fora, alimentá-lo de pouco em pouco 10, 12 vezes ao dia, ajudá-lo a dormir, tão difícil nos três primeiros anos, conversar uma conversa miúda, assim, quase nada, mantê-lo limpo (e quanto xixi e coco que ele é capaz de fazer). Daí estarmos diante de uma contradição gigante: tudo caminha tão rápido, os bebês continuam tão devagar! Será que há ainda lugar para eles? Imaginem vocês que do ponto de vista neurológico o cérebro leva 25 anos para se desenvolver completamente!!!
Vamos tomar a liberdade de contar a vocês uma observação realizada pela enfermeira Juliane Martins Soares, que nos autorizou para tal. Ela visita a família no sétimo dia após o nascimento do bebê. Sétimo dia. A mãe com ótimas condições para amamentar. Ao colocar o bebê ao seio a mãe se aflige porque a bebê não pega imediatamente e de modo correto o peito. Fazem-se necessários pequenos movimentos da mãe para que a bebê acerte. Esse fato leva-a a decidir, num primeiro momento, que melhor será mesmo oferecer a mamadeira porque com ela o bebê acerta sem ensaio e erro, rapidinho. Ponto 1. O bebê “reclama” – mexe o corpo indicando algum incômodo – cada vez que a mãe se mexe na poltrona ou quando conversa com alguém. O verbo “reclamar” fica por conta dos adultos, mas de todo modo, a bebê se manifesta e a enfermeira e a mãe lêem como expressão de desagrado ou protesto. Ponto 2.
Temos algumas dificuldades. Como pensar esta cena? De um lado falamos da imaturidade e dependência dos bebês, de como temos que conduzi-los para que se sintam confortáveis e seguros. Mas isso quer dizer que o bebê seja moldável de acordo com nossa vontade e desejo? Basta a gente querer e convidá-los e eles estarão sempre de acordo?
A mãe que a Juliane atendeu parece que se enganou: a bebê pede silencio e tranquilidade para mamar. E tem apenas sete dias de vida e já sabe o que é bom para ela. Nem tanto ao céu nem tanto a terra. Talvez possamos pensar que se trata de uma conversa, de uma negociação entre dois. Pois é, já existem dois embora dois que se conhecem pouco e se estranham. Essa comunicação vai se estabelecendo devagar e o que é incrível já se dá entre dois. Seja mãe, pai, avó, avô. Cada um vai devagar estabelecendo uma conversa e uma forma de entendimento. Leva tempo e pede muito trabalho.
Há ainda uma pequena observação a fazer: o bebê, diferente de nós, ainda não pode dizer “eu”, não sabe quem ele é. Não tem como nós uma imagem unificada do corpo. Isto é, meu pé, meus olhos, minha mão direita. Cada toque ou estímulo no seu corpo é vivido separadamente, experimentado de modo desconexo, não ligado. Assim quando fica submetido a muitos estímulos (sonoros, movimentos, toques) durante a amamentação perde a condição de se concentrar que o esforço envolvido na alimentação exige. Fica dividido, desconcentrado. E não é que um bebê de sete dias já nos “conta” isso?
Juliane, com o tato e diplomacia que lhe são tão próprios, tem indicado nas suas visitas às famílias com bebês recém-nascidos, a perplexidade dos pais com o fato dos seus filhos estarem bem vivos, já de algum modo manifestarem um jeito de ser próprio, arriscaríamos dizer uma “personalidade” (que ainda não têm e nem poderiam), mas que diante deles pedem, solicitam, requisitam. Esse fato nos leva a pensar que a ideia que se faz usualmente de bebê está equivocada. Água pura- inodora, sem gosto, sem cor, nem ácida, nem básica, essa imagem não cabe para defini-los. Não pensem vocês que nós psicólogos e psicanalistas entendemos muito bem esse fenômeno.
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