De cabeça para baixo

Parentalidade | 12/12/2023

Andamos considerando que as coisas estão um tanto fora do lugar. Vejam só isso: encontro, por acaso, um vídeo na internet feito por uma mãe com seu bebê. Ela o presenteia com um papagaio que chacoalha (deve ser de corda, ou talvez com pilha) e ao chacoalhar também emite um som estridente. A cada vez que é colocado em movimento e emite o som, o bebê se assusta e olha aflito ora para o papagaio ora para a mãe, como quem pergunta perplexo, afinal o que é aquilo. O bebê fica tenso e como ainda não se movimenta sozinho não pode se afastar do brinquedo. A mãe demora em entender que não se trata de gostar ou não do brinquedo, mas simplesmente que ele é assustador.

Agora, vamos pensar um pouco. A indústria produz brinquedos que assustam!!!!!! Como anda nossa cabeça que inventamos brinquedos que deixam as crianças atemorizadas? Sim, você pode argumentar que a mãe escolheu mal, que o bebê ainda era muito pequeno para “entender” o brinquedo. Pode ser. Não entendemos bem porque a proposta de brinquedos para os bebês são barulhentos, fazem movimentos estranhos ao animal ou o que estiver ali representado (papagaio não chacoalha). Fazemos confusão entre “estimular” o bebê com oferecer objetos que fazem muito barulho e movimentos rápidos e repetitivos. Até onde podemos pensar, isso faz parte de uma cultura do “muito” de qualquer coisa que seja. De modo geral a melhor forma de entreter o bebê é conversando com ele, mostrando as coisas que temos em casa, cantando, saindo com eles lá fora e contando sobre as coisas que estamos vendo. A preferência do bebê é pelo rosto e voz humanos.

Há vários educadores que se dedicaram por muitos anos estabelecendo, com critérios muito rigorosos, propostas e sugestões de brinquedos e brincadeiras para as crianças, para cada fase da vida. São levados em conta, por exemplo, as possibilidades motoras, motoras finas, visuais, auditivas em cada fase. Tempo Junto, de Patrícia Marinho e Pat Camargo é uma indicação que fazemos, sem nenhuma restrição, dada sua qualidade, de todos os pontos de vista.

Os pais podem se inspirar na experiência destas educadoras para inventar e criar as próprias atividades e brincadeiras sempre observando como o bebê responde ao que é proposto. Bebês e crianças pequenas gostam de coisas simples, poucos brinquedos de cada vez. Quanto menos e mais simples mais usam sua própria imaginação e criatividade. Evitar brinquedos de corda ou a pilha: o melhor é falar por eles e movimentá-los de um jeito humano. Muito melhor é tomar um cachorro de pelúcia “fazê-lo” conversar e dar umas voltinhas com a sua própria mão. O bebê vai adorar.

Mas há uma questão que ainda queremos tratar aqui sobre a exposição de bebês e crianças na internet. A isso hoje se dá o nome de” sharenting” que junta as palavras compartilhar e parentalidade. Claro que pais orgulhosos gostam de enviar vídeos e fotos dos seus bebês, mostrando como estão crescendo e são espertos. Se as redes são fechadas, entre amigos e parentes melhor. Há um grupo denominado Pais Pretos Presentes, iniciativa muito interessante onde pais dividem a experiência da paternidade. Mas todo cuidado é pouco. O excesso de exposição (“over sharenting”) é responsável por dois terços das fraudes relacionadas com identidade.

Há pais que no uso de fotos e vídeos das crianças acabam por tornar a vida íntima e pública uma mesma coisa. Uma vai se entrelaçando com a outra e se fazem igualmente necessárias para a convivência. Não podemos deixar de lembrar a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente que legisla para a preservação da imagem e da identidade como um direito. Postar vídeos e fotos do bebê exige cuidado e discernimento.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.