Mudamos nós ou mudaram os bebês?

Pós-Parto | 30/06/2023

As mães dos bebês estão perplexas, confusas, e muito, muito cansadas. Nossa experiência com as mães da Roda de Conversa tem nos colocado diante do desafio de entender o que tem provocado tanta surpresa com o comportamento dos bebês. Há algum problema com eles?  Estão nascendo diferentes daqueles que nasceram no século passado? Nasceram mais exigentes, mais difíceis de serem satisfeitos? Ou as mães é que estão menos preparadas para a maternidade?

As mães ficam sem saber o que fazer diante das solicitações insistente dos bebês: querem colo, querem mamar com frequência, preferem dormir junto da mãe.

Ouvi há alguns dias atrás um pequeno vídeo onde um psicanalista defendia a seguinte ideia: quando se deixa um bebê chorando, com a intenção de que ele durma, pode até funcionar. O bebê chora até ficar exausto, e como consequência dorme, ou como se diz chora até dormir. É uma possibilidade. E provavelmente nas próximas duas ou três vezes ainda chorará até que desista e não chore mais. Resolveu? Não, só criou um novo problema, esse sim de difícil resolução. O bebê perdeu a esperança de ser escutado e entendido na sua necessidade. Ficou sozinho. Essa por exemplo, é uma mudança de postura dos pais nos dias que correm: não se deixa um bebê sozinho chorando. Dá mais trabalho? Claro que dá, mas do ponto de vista do bebê representa um ganho. Podemos fazer a suposição de que pelo fato de se conhecer mais sobre as vicissitudes e características do bebê os pais se tornaram mais generosos no cuidado o que sem duvida se desdobra em mais trabalho.

Vou propor para vocês um exemplo, apenas para tentarmos nos aproximar da questão. Imaginem vocês chegando num pais onde vocês não falam a língua, onde nunca estiveram antes, não conhecem as regras nem a cultura do lugar e sem um tostão no bolso. Vocês chegam sem um endereço para ir, apenas com a esperança de encontrar alguém que simpatize com vocês e os convide a se hospedar na sua casa, e se der sorte morar ali por muito tempo. Cada vez que o bebê acorda ele ainda não sabe o que vai acontecer: será que a pessoa que o hospedou por nove meses (a quem chamamos mãe) continuará oferecendo alguma forma de alojamento no momento em que ele acordar? Quando o bebê chega, tudo, rigorosamente tudo é completamente desconhecido. Respirar é novo, o toque no seu corpo pode ser assustador – nunca tinha sentido o toque da mão – a luz o cega, o movimento de ser pego e levantado o desorganiza.  A voz da mãe, seu ritmo cardíaco, sua forma de se movimentar, isso é só o que ele conhece e que coincide com o país do qual veio. Se tiver sorte reconhece a voz do pai. A única casa que conheceu, até então, foi o útero materno, endereço mais familiar  para as  mulheres, e de alguma forma também pelos homens porque afinal todos passamos por lá algum dia. Levará 3 meses até que o bebê tenha condições de administrar minimamente a perda da primeira casa. Até então precisa se sentir o mais próximo possível do endereço original. Voltando ao exemplo da viagem a um país desconhecido seria ótimo se o estrangeiro pudesse ficar ali no primeiro abrigo oferecido até que se sentisse em melhores condições para sair: aprendesse um pouco da língua, conseguisse se movimentar com mais desenvoltura pela cidade e soubesse um tanto como as coisas funcionam nesse lugar tão grande e cheio de gente.

Desde que o mundo é mundo o bebê humano nasce assim tão dependente e vulnerável. Desde sempre chora muito, precisa mamar várias vezes, cada duas ou três horas, porque seu estomago é ainda muito pequeno. Cabe bem pouco. Não sabe como se aquecer quando estiver frio, ou ficar mais a vontade quando estiver muito calor.  Para ficar limpo e seco precisa de ajuda. Só aprende sobre si mesmo se alguém contar para ele, se falar com ele. No começo aqueles que cuidam é que vão sonhar por ele, isto é, imaginar um tanto de coisas interessantes que ele pode vir a ser e fazer. Se ficar sozinho se sente perdido igualzinho um viajante numa terra completamente desconhecida. Precisa de um guia.  Aliás, essa é uma boa lembrança: quanto mais longe do nosso, o país que queremos visitar mais a gente se protege pedindo e pagando por um guia….  O bebê precisa de contato próximo com outro ser humano. Só assim sobrevive e cresce bem. O bebê não mudou. Mudaram as mães? Talvez a resposta melhor seja que mudou o mundo, as circunstâncias em que as crianças nascem.

O acumulo e a transformação do conhecimento em todas as áreas da atividade humana tem sido gigante, mas isso definitivamente não quer dizer que mudamos nós, as pessoas.  Continuamos tão ou mais vulneráveis como sempre fomos. Mas mudaram as exigências, as condições em que vivemos.  Vamos recortar apenas duas mudanças. A primeira se refere à organização das famílias. Quantos casais, quantas mulheres e homens cuidam dos filhos sozinhos, sem nenhuma ajuda? A mulher fica em casa, não poucas vezes sozinha durante todo o dia, e o companheiro, na melhor das hipóteses vai ajudá-la com o bebê à noite. Isso quando não considera que precisa dormir a noite toda para retomar o trabalho no dia seguinte. A mulher tem ficado sobrecarregada, mal tendo tempo para comer e minimamente se cuidar e descansar. Essa condição é muito recente na história da civilização.  A família estendida (várias gerações) vivia junta e colaborava na criação dos bebês. Sempre havia uma avó ou tia aposentadas que se dispunham a fazer companhia para a mãe. Avós e tias hoje continuam trabalhando durante um número maior de anos. Há um grupo de mulheres que resolvem ter filhos mais tarde na vida, garantindo uma posição mais definida profissionalmente, e às vezes as avós já não tem a disponibilidade de ajudar com os netos.

E a outra grande mudança são as redes sociais, blogs, podcast. Ali você pode se informar sobre praticamente tudo inclusive sobre cuidados com o bebê. Há um número quase infinito de fontes de informação o que dificulta a seleção e mais que isso, relativizá-las. Se o leitor- ouvinte for considerar que tudo está corretíssimo e deve ser seguido à risca e ainda pior, tudo vale para ela e seu bebê, seu trabalho se transforma rapidamente em pesadelo. Estabelece-se como que olhos críticos e em constante cobrança, a mãe perde o sossego e a capacidade de pensar. Informação é importante, sim é. Mas precisa de tanto? Sem exceção cada passo precisa ser previamente pesado, medido, avaliado. A improvisação, a tentativa e erro deixam de existir. A mãe cumpre o prescrito, o que outros decidiram. Tabelas e planilhas sem fim… Fazemos aqui uma aposta, que as mulheres são capazes de aprender com seus bebês, e os bebês com elas. Nessa conversa com os filhos, as mulheres vão afinando sua capacidade de observação e os bebês vão se aprimorando nos sinais que enviam aos seus cuidadores.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.