A Roda de Conversa que se desenrola no Whats App do Gamp 21 pode ser considerada um inventário das questões e angústias com as quais as mulheres do século 21 estão se confrontando. Cabem descontos nesta abrangência dada as particularidades – socioeconômicas, geográficas, culturais – do grupo participante. Acreditamos que as diferenças entre este e outros grupos seja no grau e intensidade, mas subtraindo e multiplicando, as diferenças não deverão ser substanciais.
Nossa proposta é fazer alguns recortes nas falas e textos dos participantes do grupo e tecer algumas ponderações sobre o tema.
Dezembro 2024
“Infelizmente, tendo como modelo o casamento dos meus pais, tenho comigo, que para manter um casamento duradouro, a mulher tem que aguentar muita m. calada”.
A m. é uma palavra de uso corrente, do dia a dia, não publicável neste texto. Mas é uma palavra que rapidamente nos esclarece sobre o que a autora da frase quer nos dizer. Vai direto ao ponto.
Questão espinhosa que persegue as mulheres, senão desde sempre, há muito tempo. A mulher gesta, dá à luz, amamenta… e é considerada a maior responsável pelos cuidados, quando não a única. Para além das questões biológicas há sem dúvida uma questão de ordem cultural. Civilizados e avançados são nossos indígenas, em cuja cultura os responsáveis pelos bebês e crianças é a aldeia inteira. A nova geração diz respeito a todos.
Há situações limite relatadas por nossas participantes. Uma mulher com um bebê recém-nascido, de dois meses, convida o parceiro a se retirar da casa. Prefere as agruras de se responsabilizar, de todos os pontos de vista, sozinha pelo bebê, a sofrer a pressão do companheiro. Ao chegar em casa com o bebê no colo, depois da hospitalização e de uma cesariana, o pai do bebê pergunta se ela não vai se apressar e fazer almoço porque ele está com fome. Difícil fazer hipóteses sobre o que leva um homem a pedir para uma mulher recém-operada, com um bebê no colo, e com tudo que isso quer dizer, a ir para a cozinha e preparar o almoço. Será que ele tem condição de entender o que significa parir? Tem algum discernimento de que não só ele precisa de alguma coisa? Está de posse de suas faculdades mentais? É simplesmente um machista que supõe que mulher tem como função primordial servir aos homens?
Quase nunca a situação chega a esse ponto. Mas há os maridos que depois de uma noite de sono ininterrupto, ao acordarem, não entendem o cansaço da mulher e perguntam por que afinal ela não dormiu se o bebê dormiu a noite toda…ele quem não ouviu o choro do bebê…se ele não viu é por que nada aconteceu?
Há histórias até bem-humoradas. A mãe pede ao companheiro que passe uma horinha com o bebê para resolver um problema fora de casa. Quando volta o marido está desesperado no limite da paciência e do fôlego. Deste dia em diante ele não pediu mais para ela fazer seu pudim predileto, procurar as chaves que ele perdeu e deixar os sapatos bem engraxados. Ele entendeu. Ou ainda outra tirada: o marido acorda e diz “o bebê dormiu bem, não é?” E a mulher, encontra uma boa resposta dizendo “só não dormiu melhor que você”. Preciosa essa capacidade de manter a jovialidade.
Há homens, maridos e pais que acompanham e participam dos cuidados com o bebê. Há aqueles que vem direto do trabalho para casa (sem passar na Academia ou tomar uma cerveja com os amigos) e buscam a oportunidade de cuidar e de se ocupar do bebê. Banham, vestem, seguram para o arroto, ajudam o bebê a dormir. Exercem ativamente a paternidade. Se consideram parte do processo da criação o filho.
Algumas mulheres admitem que o marido não tem como amamentar, mas bem que essa divisão, se possível, seria bem bem-vinda: “na verdade parece que eu queria que ele se levantasse e desse mamar para o bebê só para eu ter o prazer de dormir seis ou até oito horas seguidas, como ele faz todas as noites. Se o bebê tomasse mamadeira acho até que ele iria tranquilamente. Mas sei que ele vai trabalhar no dia seguinte”. Claro que aqui há uma ponderação a ser feita: e cuidar do bebê é o que, se não um trabalho dos mais duros? Lembramos do relato de uma participante da Roda que contou sobre os telefonemas do chefe pedindo ajuda para resolver questões da empresa: “meu chefe pensa que estou de férias, na maior folga”.
A primeira frase envolve ainda outras questões. Para além de se responsabilizar com a mulher no cuidado com o bebê e as tarefas da casa (infinitas) comparecem aqui a relação entre o casal, o casal com as famílias estendidas de ambos os lados, a relação com os amigos. Somado a isso a reviravolta no cotidiano, na exigência da reorganização da vida com a chegada do bebê. A exigência de administrar as idiossincrasias, a concepção de como criar e cuidar do bebê de cada uma das famílias estendidas pode representar um trabalho extra e nada fácil.
A Roda de Conversa online com mães de bebês de 0 a 3 meses é coordenada pela psicanalista Eva Wongtschowski e pela enfermeira Doris Ammann. As participantes do grupo de whatsapp são convidadas a participar da Roda que acontece toda semana.