Transformações da maternidade V

Pós-Parto | 09/02/2025

Dividir e coletivizar o trabalho com os bebês

 

Uma participante da Roda de Conversa escreve: “A noite estou tão exausta que não consigo, nem mesmo, fazer uma tentativa de colocar o bebê de volta no berço. Fico sentada na cama segurando ele no colo. Mas tenho medo dele cair do colo, e de verdade, tenho medo de colapsar”.

É grande minha admiração pelas mulheres que têm a capacidade de se expressar de modo tão arrojado e com tanta galhardia. São fonte de aprendizado e inspiração.

A enfermeira Patrícia de Azevedo publicou um vídeo no nosso grupo de whatsapp. Trata-se de um relato sobre a comunidade AKA que habita o coração da África. Lá os homens dividem a atividade de cuidar dos filhos com as mulheres. Dividem. Dividem a tal ponto que na ausência da mãe, quando o bebê chora de fome, os pais colocam o bebê no peito para que eles se acalmem e possam esperar, com mais conforto, a volta da mãe. Não, eles não têm leite. Mas usam uma determinada erva que os ajuda a produzir uma pequeníssima quantidade de leite, gotas, mas o suficiente para uma emergência. Filhos são responsabilidade de pai e mãe. Não há nenhuma questão de machismo, de masculinidade hegemônica, coisas que tais, nessa divisão. A cultura ocidental está atrasada nesse quesito. Bem atrasada.

O relato da participante da Roda citado acima é consequência de uma visão equivocada e infeliz a respeito dos cuidados de bebês. Em nossa cultura o bebê é responsabilidade da mulher. O homem ajuda, colabora. Não se trata desta ou daquela família, deste ou daquele casal, mas de uma questão maior, de como foram se estruturando os costumes em torno do cuidado. Os primeiros meses da vida do bebê requerem muito tempo, muita disponibilidade, muita energia. Não deveria ser tarefa de um, mas de vários, de uma rede de pessoas.

Há de fato um paradoxo que paira sobre a cabeça das mulheres mães. De um lado somos inundados por informações sobre as necessidades dos bebês, o que é fundamental para que seres humanos cresçam e se desenvolvam de modo a se tornarem cidadãos saudáveis e em condições de participarem ativamente da vida em sociedade. E por outro as mulheres se veem sozinhas, com pouco ou quase nenhum apoio para dar conta de tantas exigências.

Há uma preocupação mundial com o declínio da taxa de natalidade. A entrada da mulher no mercado de trabalho, casamentos que se estabelecem mais tarde, o valor da independência individual, o custo da criação de filhos, a pressão da carreira, questões climáticas… E a sobrecarga, a solidão, o trabalho que se tornou individual e indivisível. Mas há mulheres e famílias que se dispõe a enfrentar o desafio. A sociedade tem como obrigação se organizar para tornar esse desafio mais possível. Queremos que a vida continue, que as gerações se sucedam.

As Rodas de Conversa online e o grupo de whatsapp são uma tentativa de dividir o trabalho e coletivizá-lo.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.