Medicina no plural? Vejam uma definição possível do que se entende por medicina, que está lá na Wikipédia: “refere-se a práticas, abordagens e conhecimentos incorporando conceitos materiais e mentais, técnicas manuais e exercícios aplicados um a um ou combinados, a indivíduos ou coletividades de maneira a tratar, diagnosticar e prevenir doenças ou visando a manter o bem-estar”.
Na definição há referência a práticas, abordagens e conhecimentos: todas no plural. Os conceitos que envolvem qualquer prática de cuidado e cura das expressões do corpo (doenças, sintomas, mal-estares) supõem, segundo a definição, não só conhecimentos “materiais”, que poderíamos relacionar ao que se estudou e pesquisou durante centenas de anos de fisiologia, anatomia, bioquímica, mas também como se “pensou” e se usou esse conhecimento. Portanto, um mesmo fato é interpretado ou pensado em diferentes formas. O “mental” da definição pode ser entendido assim, entretanto há fatores para além dos materiais (do corpo enquanto matéria, enquanto carne) que fazem parte das abordagens médicas: os assim chamados “psíquicos”.
A prática da medicina faz parte da cultura de um povo. Na China, no Japão, a prática da medicina é diferente da aplicada na América do Norte. Na China, se mantém o exercício da acupuntura; no Japão, a medicina Kampo, que utiliza preferencialmente ervas, e onde a medicina de família é a que predomina enfatizando a prevenção das doenças. Apenas uma minoria utiliza a medicina chamada ocidental para situações mais graves. Práticas milenares, cultivadas por milhões de pessoas se mantêm e são estudadas até hoje. Na América do Norte, dada a importância econômica da indústria farmacêutica, a prática mais comum, mas não única, é o uso de medicamentos sintetizados em laboratório. Na Índia, predomina a Ayurvédica que dá ênfase ao que se come e à prática da meditação.
No Brasil, país que recebeu chineses, japoneses, alemães, e tantos outros povos, convivemos com formas muito diversas de cuidar do sofrimento do corpo, sem esquecer da nossa herança indígena e africana que têm modos muito particulares e sofisticados de tratamento. É bom lembrar que não são poucos os cientistas do mundo todo que vêm ao Brasil para estudar e aprender, com comunidades indígenas, a ciência da botânica e ervas medicinais. Dos alemães herdamos a homeopatia que, embora controversa, é aceita como medicina alternativa em países como Reino Unido, Bélgica; e no Brasil, é oficialmente aceita como Medicina Integrativa, que é aquela onde várias “medicinas” trabalham juntas.
A medicina não é uma ciência exata. Não é matemática. Sua prática convive com o ambiente natural (solo, clima, fauna, flora), com a cultura (valores, modo de vida, história, arte), e se conjuga com muita ciência, pesquisa, experimentação.
Vamos dar alguns exemplos, muito próximos de nós.
Vários especialistas brasileiros (médicos, biólogos, nutricionistas, cientistas sociais) construíram o Guia Brasileiro de Alimentação. De tão eficiente e bem feito, recebeu um importante premio internacional. A aplicação do Guia pela Saúde Pública em algumas cidades brasileiras, reduziu drasticamente problemas de saúde com o coração, pressão alta, obesidade. Marcio Atala, educador físico, ao promover um programa de exercícios físicos em pequenas cidades, pôde avaliar que os profissionais de saúde, como consequência, ficaram menos sobrecarregados. As pessoas mantinham sua saúde em boa condição. O educador físico aliou seu conhecimento de fisiologia do exercício (matéria onde médicos têm uma participação importante) com a arte da comunicação, e inspirou centenas de pessoas a se mexerem.
Na internet, correm vídeos que promovem o uso inteligente de alimentos que influenciam substancialmente a saúde física. São nutricionistas, biólogos, que cultivam a arte do cuidado de si. Dê uma olhada no trabalho de Camila Vitorino, Pensando ao Contrário, de Conceição Trucon, Doce Limão, e de Gisela Savioli. Só para citar alguns.
Cada medicina, cada médico, faz uso da ciência com toda sua complexidade e infinitos dados e conclusões que se somam e se modificam com o passar do tempo, e também faz uma escolha de valor. O corpo é considerado de múltiplas formas, e há vários pontos de vista sobre seu funcionamento. Existe um Programa de Meditação aplicada à Saúde Pública na Universidade de São Paulo. A Ciência Médica ligada às universidades públicas, que atendem um número grande de usuários, tem se dedicado a estudar a meditação (arte milenar), e hoje existem mais de 200 mil trabalhos científicos sobre seu efeito na saúde.
Escolher um médico equivale a escolher um modo de vida, um modo de cuidar de si. E temos que concordar que isso não se discute. Escolher um médico é como escolher time de futebol, nome de filho, livro para ler. Depende do que se quer da vida. Adultos “brigam” pelo seu médico e por sua forma de tratar da saúde: cada um supõe o seu melhor. Brigam e defendem sua escolha.
Infelizmente, não nos é dado muitas vezes escolher um médico, ou uma prática de saúde. Muitos de nós dependem de uma lista de nomes que escolhemos no plano de saúde. Mas isso não nos impede de pesquisar, estudar e se informar sobre as alternativas que temos à mão.
Mas a questão da escolha se complica muito quando se trata dos nossos filhos. É tudo muito mais delicado porque eles dependem do que decidimos. Além disso, no caso de bebês e crianças pequenas, qualquer manifestação de dor ou sinal de que alguma coisa não vai bem se transforma em urgência. Os pais procuram soluções rápidas, e pressionados pela ansiedade de ver o filho sofrendo aceitam rapidamente uma promessa de remédio, de recurso.
Pelo fato de haver a responsabilidade, que não é pequena, envolvida na proteção dos filhos, a escolha do caminho do cuidar e tratar se transforma numa questão espinhosa e polêmica. Afinal, nunca se tem certeza absoluta se nossa escolha é acertada, porque ela não é unanimidade, isto é, outros pais fizeram opções diferentes. As escolhas na vida, todas, têm exatamente as mesmas vicissitudes.