A mãe má: um assunto importante

Cuidados com o bebê | 20/08/2025

Mãe é um personagem tão fundamental na nossa vida que apostamos que o sinônimo de mãe é perfeição, bondade infinita, disponibilidade eterna. Mas para nossa sorte não é não. Vamos contar por quê. O texto de uma participante da Roda de Conversa 7-12 meses fala sobre esse tema. Seu bebê completou 1 ano e ela se despede do grupo. Vamos reproduzir um trecho: “…não tenho palavras para dizer o quanto vocês me ajudaram nesse tempo que pude contar com o apoio on-line.  Foi bom saber que eu não era a única, que eu não estava sozinha, que eu não era uma mãe ruim…” Essa participante cria para o Gamp a oportunidade de falar de um tema sensível e central sobre a maternidade. A mãe ruim, a mãe má.

A mulher se orgulha, fica satisfeita, sente-se poderosa por ter gestado e dado à luz um bebê. Convenhamos, com toda razão. Um bebê tem potencial para crescer e se tornar um ser humano capaz de aprender, pensar, criar, colaborar com outras pessoas.  Há uma esperança de poder fazer melhor, de que tudo sairá a contento.

Manter a gestação por 40 semanas, enfrentar um parto, e de repente, de um minuto para outro, ficar responsável por um bebê implicam, todos esses passos, em um revolvimento. A gestação, o parto, a amamentação incluem, em intensidade, não só o corpo – que já seria muito – mas toda a vida da mulher. Sem contar o entorno: companheiro, ou a falta dele, parentes próximos, o trabalho que se deixou esperando, as novas despesas, a casa, as panelas…. Escovar dentes, tomar banho, trocar de roupa, comer sentada à mesa…. o que era mesmo isso?

Como bem disse uma participante da Roda, esse processo obriga a passagem para um novo portal. Neste caso não é um ponto de entrada para diferentes recursos, informações, mas a passagem para uma experiência nova, cheia de perguntas sem respostas fáceis. E muita exigência.

O bebê precisa de tudo: ser alimentado, ser ninado, ter companhia, alguém que lhe fale, que preste atenção nas suas expressões, nos seus movimentos. Que se empreste a ele o que se tem, não poucas vezes, o que nem se sabia que se tinha. O bebê ainda não é, e para vir a ser, precisa da existência de um outro disponível. E é esta disponibilidade que não se calcula, não se mede, que não se pesa, pode as vezes mancar. Falhar. Neste momento a mãe se desespera.

Desespera-se porque se dá conta que não só ama o bebê, mas também fica cansada, exasperada, indignada, se perguntando por que mesmo resolveu ter um filho. O bebê nunca poupa a mãe, porque ele mesmo está tentando dar conta de desafios e dificuldades gigantes. Tudo a ser conquistado e a duras penas.

A mãe ama e odeia. Onde há amor, há ódio. Um não existe sem o outro. No cuidado com o bebê, no enfrentamento da sua dependência, o amor e o ódio se organizam, vão se compondo, se entrelaçando e não impedem que a mãe mantenha os cuidados de modo eficiente. O problema não está nessa composição, amor-ódio, mas na indiferença, no desinteresse. Onde há amor e ódio, há interesse, há envolvimento. O ódio é tão fundamental quanto o amor, ele é estruturante, organizador. A mãe é capaz de continuar amando apesar do ódio, ou melhor, justamente por ele. Mantém sua ambivalência – ama e odeia – se equilibrando e trazendo bons resultados.  Essa dupla torna a mulher criativa, quando ela vai buscar, por exemplo, formas de cuidar que não a estressem tanto. Lembramos de uma mãe que perguntava (Roda de Conversa na plataforma digital, ao vivo)) se ela podia dar de mamar deitada. Conta que adormecia, o bebê continuava mamando e quando acordava o bebê dormia placidamente ao seu lado. E não é que ela acordava descansada!

A constatação do ódio pode assustar e trazer medo de que ele passe a frente, como se fosse inviabilizar o amor. Mas isso se deve ao fato de imaginarmos que não possa haver ódio, como se sua existência fosse inadmissível. Ele é administrável sim, junto com o amor. O fato de o bebê deixar a mãe irritada não quer dizer que ele não possa ser amado. O bebê pode chorar muito, dormir pouco, irritar a mãe e mesmo assim ser muito gostado.

O bebê não responde aos cuidados da mãe como ela gostaria: quantas vezes ela se esfalfa e o bebê não reage de acordo. A mulher faz renúncias em nome de sua responsabilidade, usa seus recursos para se colocar no lugar do bebê e supor do que ele precisa, mas isso não quer dizer que não se irrite, não se canse e que não gostaria de ir dar uma volta, sozinha de preferência.

Imaginar que a maternidade se dê em torno de um amor sem fim, sem tamanho, é o mesmo que acreditar na existência de fadas.  Winnicott, psicanalista inglês, (1896-1971) criou o conceito de “mãe suficientemente boa”, com o qual pretendia    desvincular a palavra “mãe” da palavra “boa”. Daí ter intercalado a palavra “suficientemente” entre “mãe” e “boa”. Ele observa que gostaria de falar de uma mãe que fosse uma pessoa “real”, isto é, de carne e osso. Em uma ocasião, ao ser convidado para falar a uma plateia de mulheres, todas mães, ansiosas para ouvi-lo, ele logo foi avisando que não tinha nenhuma intenção de contar a elas como se deveria cuidar de uma criança, porque ele mesmo não sabia!

Uma mãe, que mesmo hipoteticamente, pudesse satisfazer o bebê até antes dele solicitar, adivinhando o que e como ele quer ser satisfeito, não ajuda em nada. O bebê não aprende a pedir, a se manifestar, a chamar a atenção dela. E o bebê que recebe tudo sempre a toda hora, não aprende a esperar, não aprende minimamente como ele mesmo pode resolver o problema. Só para dar um exemplo, o bebê que conquista a habilidade de chupar seu próprio dedo e ir se acalmando, pode esperar por mais tempo até a mãe aparecer. Se a mãe acha que precisa entreter o bebê o tempo em que ele estiver acordado, ela o impede de descobrir como é que ele pode fazer isso. Deixando o bebê um tanto por conta dele, ele descobre as mãos, observa minunciosamente tudo que está a sua volta, presta atenção nos ruídos da casa, experimenta novos movimentos com o corpo. Assim, uma mãe que não é eficiente o tempo todo, pode ser bem interessante do ponto de vista do desenvolvimento do bebê.

Uma participante da Roda escreve: “segundo round agora, o bebê está, graças a Deus, dormindo há 45 minutos. Não sei mais o que fazer com esse tempo todo”. É bonita esta constatação.

Enquanto outra participante desabafa ao dizer “dá um desespero não saber o que os bebês têm”, quando choram, choram, choram e tudo que se tenta não resolve. Às vezes, simplesmente, não se sabe mesmo, e o que é possível fazer é ficar junto e esperar.

O amor pelo bebê faz par com o cansaço, indignação, exasperação, e não nos assustemos, com o ódio. Sim. A rigor não existe amor sem ódio. Os dois andam juntos – e não só na relação com o bebê – mas em qualquer relação.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico.