Este tema está sempre em pauta. O assunto mobiliza discussões acaloradas e não poucas vezes se encerra com juízos considerados definitivos.
A resposta de fato é muito simples, mas se complica quando se leva em conta quem faz a pergunta e qual é o ponto que fica em jogo. E se emaranha ainda mais quando se leva em conta que o bebê não pode emitir verbalmente suas preferências, embora envie sinais indicativos sobre elas.
A observação de um pediatra – experiente e sério – sobre como impediu seu filho de chupar o dedo quando ainda era bebê nos deu a dimensão da dramaticidade que o assunto pode vir a ter. Ele conta que vestiu luvas no filho assim que este conseguiu encontrar o dedo e colocá-lo na boca, e durante longos dias, apesar de observar seu desespero tentando levar o dedo à boca, manteve a iniciativa do uso das luvas até que o filho desistisse. Ele expressava a convicção de ter salvado o filho de um problema futuro grave, ou seja, de estabelecer o hábito de chupar o dedo.
Um pouco de história sempre nos ajuda: o uso de “chupeta” remonta a milhares de anos. Escritos dos médicos Sorano de Éfeso (século II) e Oribásio (século IV) referem objetos açucarados que eram oferecidos aos bebês com o objetivo de acalmá-los. Albert Dürer, pintor alemão, representou, numa tela de Madona pintada em 1506, algo que lembra uma chupeta na boca do menino. Um pedaço de pano amarrado em forma de chumaço que continha algum tipo de alimento. Eram usados tanto para acalmar quanto para nutrir os bebês. Curiosamente, na época se colocava no chumaço álcool, opioides, pedaços de alimento.
No útero, o bebê é alimentado continuamente pelo cordão umbilical e ainda não tem sensação de fome. A capacidade de sucção se inicia entre a 17a e a 24a semana da vida intrauterina, daí ser comum que, nos exames de ultrassom, os bebês apareçam com o dedo na boca. Essa tendência corresponde ao que Freud chama de “prazer de órgão”, isto é, sugar o próprio dedo é fonte de satisfação. Pode-se daí chegar à conclusão sobre dois fatos. O primeiro, de que sugar é um reflexo inato que corresponde a uma sucção não nutritiva e pode estar presente antes mesmo do nascimento. E, também, é a capacidade de sugar que garante nossa sobrevivência ao nascer e vem a ser a sucção nutritiva, que se desdobra da não nutritiva.
A chupeta tem relação com mordedores que, no decorrer da história, foram feitos dos mais diversos materiais, tais como os bicos das chupetas. No início, estes tinham um gosto desagradável, ou continham resquícios de chumbo e substâncias alergênicas. Os modelos atuais das chupetas tentam resolver os problemas ortodônticos que o uso prolongado pode causar. Seu uso não é um consenso entre os especialistas por várias razões. Eventualmente dificultam o estabelecimento da amamentação no peito, provocam infecções e, quando utilizados depois dos três ou quatro anos, podem interferir na qualidade da fala. Tanto o uso de chupeta quanto o dedo na boca podem se transformar em hábito, embora essa preocupação dos pais se manifeste mais em relação ao dedo do que à chupeta. Fica aqui a pergunta de por que haveria essa diferença.
A pele se constitui numa roupagem contínua e flexível que nos envolve. Ela protege o interior do corpo e por ela nos comunicamos. É um órgão sensível, rico de receptores que captam todo tipo de estímulos: frio, calor, toque, pressão, dor. A pele é um dos mediadores do contato entre nós e o mundo, participa na construção do modo como organizamos nossa vida psíquica. Isto é, o bebê recebe inúmeros estímulos que chegam até ele via pele, estes vão sendo integrados, articulados e vão fazendo parte do seu mundo interior.
Os primeiros contatos e laços que o adulto estabelece com o recém-nascidos e dão pelo corpo: oferecer o colo, amamentar, banhar, trocar de roupa, ninar. As experiências sensoriais e o estímulo dos órgãos sensoriais do bebê vão se dando em torno dos cuidados. E pouco a pouco o bebê vai se apropriando dessas experiências que o adulto partilha com ele (e que ele também partilha com o adulto!). A integração das múltiplas sensorialidades vai sendo construída junto com o ritmo e as palavras com que os estímulos são oferecidos. No começo as experiências sensoriais são descontínuas, fragmentadas, e será a atividade psíquica que ligará umas às outras. O toque afetuoso cria intimidade e vem antes da linguagem, que devagar vai sendo aprimorada e passará a ser a principal forma de comunicação.
Quando o cuidador toca a pele do bebê, o limite entre ele e o cuidador é muito tênue: devagar vai se estabelecendo a diferença entre eles. O bebê é tocado, mas também se toca: este conjunto de toques vai propiciar e enriquecer a construção de sua imagem corporal, e, para além disso, estabelecer a vivência de prazer e desprazer. As vivências se inscreverão no corpo e na memória, portanto no registro do simbólico.
Os estímulos não vêm apenas de fora para dentro, mas também do interior do corpo: fome, dor, sono. No caso do bebê, é o adulto que tenta ajudá-lo a minimizar seus efeitos dolorosos, amamentando, cuidando do abdômen para diminuir os gases, acalentando.
O ato de sugar consiste numa repetição rítmica que, além de nutrir, é acompanhada de prazer, envolvendo lábios e língua. É um trabalho, uma ação realizada pelo próprio bebê, isto é, a mãe oferece o alimento e o bebê vai buscá-lo com seu próprio esforço. O ato de sugar alivia a fome e é ao mesmo tempo uma fonte de prazer. Essa competência para o trabalho vai pouco a pouco se voltando para os objetos do mundo: prazer em tocar o rosto da mãe, seus cabelos, seus óculos e colares, e mais tarde os brinquedos, as panelas e potes da casa.
O conjunto das sensações vindas da pele, dos órgãos dos sentidos (olhos ouvidos, nariz) constitui a estrutura afetiva (nuances de prazer e desprazer) – elas farão parte da memória e, portanto, do psiquismo. A vida interior é regulada pelas representações (ideias, pensamentos) construídas pela combinação das lembranças de prazer e desprazer que servirão de matéria prima para a vida toda.
Ao aproximar o dedo da boca, o bebê reproduz parte da sensação de prazer que experimentou durante a amamentação. Freud observa que tal conquista propicia, além do prazer, um momento de autonomia. Consegue com seus próprios recursos se apaziguar, reproduzindo em parte sua boa lembrança de ser alimentado. O dedo na boca envolve o contato do corpo com o próprio corpo. Pele com pele. A boca, no começo da vida, junto com os lábios, a língua, constituem parte importante da superfície corporal.
Vale lembrar: no campo da educação, os bebês e as crianças são submetidas a uma moral disciplinar que exige o controle do corpo e da mente. Exigências que os impedem de ter prazer com o próprio corpo. Chupar o dedo é prazeroso e o bebê claramente indica isso. Os adultos impedem o bebê de chupar o dedo justamente por isso? Por que lhe dá prazer? Prazer dele com ele mesmo? E mais, é um prazer que ele mesmo controla, tira e põe o dedo na boca quando escolhe fazê-lo. No caso da chupeta, é o adulto que a fornece, e supostamente controla seu uso. O bebê sendo levado para passear no carrinho, fazendo compras com o adulto, no restaurante, muitas vezes é visto com a chupeta na boca, provavelmente com o objetivo de ajudá-lo a dormir ou ocupar sua atenção. Vocês se lembram de ter visto bebês nestas ocasiões com o dedo na boca? De modo geral, crianças maiores chupam o dedo na intimidade – na hora de dormir – ou quando estão sob alguma forma de pressão. Nossa experiência é que a chupeta é mais tolerada porque pode, em princípio, ser administrada pelo adulto. E não faz parte do próprio corpo.
Não fica em jogo aqui se os pais devem/podem oferecer a chupeta. Evidente que podem se assim o quiserem. A questão está em proibir o bebê de manter um gesto espontâneo, descoberto por si mesmo, e realizado com suas próprias competências. A questão está no fato de o gesto ser moralizado, visto como impróprio, como problemático, quando não o é. Pelo contrário, é saudável, bem-vindo e apropriado. É uma conquista.
Nós, adultos, gostamos de receber uma massagem, coçar o nariz, roer as unhas, mascar chiclete… por sorte esses impulsos não são cerceados pela moral vigente. Se o bebê pudesse falar, o que ele diria quando os adultos tiram seu dedo da boca ou mesmo o impedem de levá-lo até ela?