Está lá no Gênesis: D’us lhes disse: “Sejam férteis e tornem-se muitos”. Encham a terra e a conquistem.
As mulheres, mais do que os homens, sentem-se, de algum modo, demandadas pela sociedade a gerarem filhos. Embora hoje essa pressão não faça mais sentido (somos oito bilhões no planeta) ela ainda responde pelo ideal do filho como um valor da cultura. Para manter a humanidade existindo é necessário que seus habitantes se reproduzam. Assim uma exigência externa – a manutenção da vida humana na terra – se transforma numa demanda pessoal para cada mulher. A ideia do filho como aquele que a completa, o filho como herdeiro, como aquele que cuidará dos pais na velhice…. É um tesouro a ser conquistado.
A questão hoje é mais complexa: não basta gerar um filho. É necessário cuidar dele, acompanhá-lo por muitos anos. E o que sempre foi tarefa de muitos (lembram-se da frase dos povos indígenas:” é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança?”) passou a ser de poucos. A organização familiar transformou os pais nos maiores responsáveis pelo cuidado. A geração dos avós se mantém trabalhando por mais tempo, e as migrações internas pela busca de melhores oportunidades de trabalho dividiu o núcleo familiar.
Puérperas não deveriam ficar sozinhas cuidando do recém-nascido, mas esse fato hoje é quase sempre regra. Há uma pressão social para que as mulheres se tornem mães, mas o grupo do qual faz parte pouco colabora com ela para dar conta da tarefa.
Há sociedades mais conscientes que criam facilidades para os pais (licença de trabalho prolongada com ganho salarial mantido tanto para a mulher quanto para o homem que de fato compartilha o trabalho de criação do filho). Não são poucas as mulheres que ao voltar à rotina do trabalho são deslocadas do lugar de origem para dezenas de quilômetros de distância, permanecendo muitas horas no transporte o que diminui seu tempo com o filho. Convenhamos, isso não ajuda ninguém.
Para complicar ainda mais o tema, pediatras, fisioterapeutas, psicólogos, educadores (enquanto membros da sociedade) estabelecem mil e uma regras de como se deve cuidar de um bebê. Estão aí as centenas de blogs, cursos on line, que “explicam”, quando, como, de que jeito fazer para que os bebês cresçam saudáveis e felizes. Pois é: além de crescerem devem crescer de modo que seja considerado bom. Bom para a sociedade. Crianças inteligentes, sociáveis, com boa saúde física, que poderão vir a se constituir num membro colaborador da sociedade.
Não há resposta certa para nossas perguntas e dúvidas, quaisquer que sejam. Qual é o sentido da vida, por que nascemos, o que é felicidade. Não há respostas corretas e únicas para nos orientar na condução da vida. E isso suscita o que Freud chamou de mal estar e sentimento de culpa. Nossas ações são sempre tentativas de nos aproximarmos do que supomos certo e bom.
Os especialistas (médicos, fisioterapeutas, pedagogos) constroem respostas a partir de perguntas que estão sendo feitas desde há muito tempo; pesquisam, comparam achados, criam teorias, e constroem tentativas de solução.
O nascimento de um filho muda a vida de modo radical, principalmente nos 6 primeiros anos. O bebê precisa de muito colo, de uma disponibilidade gigante. Ele não consegue, por muito tempo, ir à procura do que precisa. Os adultos o alimentam, o mantém aquecido, cuidam de sua higiene, o embalam para dormir, o acalmam, conversam. E às vezes ele não mama o suficiente, não dorme, não evacua como deveria, não gosta do banho, não há conversa que o acalme. Isto é, as soluções propostas ao bebê nem sempre são bem recebidas ou funcionam. Não é possível imaginar que a mulher não se irrite, que às vezes não se pergunte onde é que estava quando resolveu ter filho. E esses pensamentos também se desdobram em mal-estar.
Uma mãe que perde a paciência, ou fica indignada pelo fato do bebê querer ficar no colo todo o tempo, não aceitar outro colo a não ser o dela, não lhe dar um tempo para dormir…. Querer mamar com muita frequência, e pedir uma disponibilidade vivida como sendo sem limite. A mulher passa por provas de resistência bem difíceis. E fica bem longe de uma mulher plácida, zen, otimista e bem-humorada. Isto é, longe do que é o suposto ideal. E o que provoca o assim chamado sentimento de culpa. Os pais se posicionam como copilotos nessa viagem, pelo fato de não amamentarem, e sofrem menos desse mal.
Mas não há mal que sempre dure…. As compensações logo aparecem. O bebê responde a dedicação da mãe, do pai com conquistas. Logo acompanha a conversa dos pais, começa a sorrir, vai crescendo, se interessa pelo que está a sua volta, começa a dormir melhor, mama com mais eficiência. Responde ao investimento.
Sabe-se que os três primeiros anos da vida da criança são decisivos para determinar a qualidade e potencialidade que atravessará toda sua vida. Os pais e as mães se incumbem de sustentar essa responsabilidade em prol do grupo humano com quem convivem e receberem ajuda desse grupo nunca é demais.