Conflito de gerações e os cuidados com os bebês

Cuidados com o bebê | 31/01/2024

Não foi nem uma nem duas vezes que defendemos, com ênfase e muita convicção, que pais de bebês devem receber a colaboração e ajuda da família, dos amigos. Cuidar de bebês é um trabalho exigente e exaustivo. Bebês são os herdeiros da cultura e das nossas realizações, e nos substituirão na manutenção da vida aqui na terra. Cuidar da nova geração é garantir nossa continuidade enquanto civilização e, portanto deve ser responsabilidade de todos.

Mas na prática a teoria é outra. O estudo que envolve o conflito de gerações é não só muito interessante, mas fundamental para entendermos, nada mais nada menos, o fato de que o costume, a visão de mundo, as ciências mudam. A vida se transforma com a passagem do tempo. O tema das diferenças de gerações envolve não só certa confrontação, mas a noção de liberdade e identidade individual e social.

Trocando em miúdos: nossos pais, nascidos num determinada época, nos educaram de acordo com valores, exigências, necessidades, visões de mundo, filosofias em consonância com essa época. Para, além disso, faziam escolhas que poderíamos chamar de próprias, isto é, um modo próprio de ler e interpretar (a favor, contra, a favor de algumas coisas, contra outras) essa cultura onde estavam inseridos, e de fazer vale-las de um modo único, singular. Mas vejam, ainda há de se considerar que eles próprios foram fortemente influenciados pela educação recebida dos próprios pais (nossos avós).  A questão não é pouco intrincada.

O que era proibido, nem pensar em fazer, numa geração, passa a ser possível na seguinte. E o contrário também: o que se fazia nem pensar em continuar fazendo. Inevitavelmente haverá algum confronto entre pais e filhos. Pais, de um lado, absolutamente certos e convictos de que um casal só pode vir a morar juntos se casarem no civil e religioso, e filhos, tranquilamente moram juntos com seus pares sem o aval do oficial do cartório e muito menos do padre ou equivalente. Esse é apenas um exemplo.

Divergências, formas de pensar e ver o mundo distinto, não deveria ser impeditivo para a convivência e assegurar a possibilidade de se manter conversando. O crescimento pessoal (usando nosso exemplo, viver com a/o namorada/o) não deveria implicar em desonra para ninguém. Transformar a autoridade dos pais pode ser doloroso, mas muitas vezes implica na liberdade de pensar e criar dos filhos. Na adolescência e idade adulta cada um de nós vai adquirindo experiência e nova visão de mundo que põem em cheque a convicção dos pais. Segundo Freud “o progresso da sociedade reside, todo ele, nessa oposição entre gerações”.

A tensão, os confrontos, as diferenças, as magoas são inevitáveis, mas garantem a liberdade para ambos os lados.

Do ponto de vista dos pais esse novo movimento pode significar a morte, morte no sentido de não ter mais lugar, não ter mais voz, perder aquela autoridade de quando os filhos eram crianças. Pais que se esforçam em oferecer e resolver tudo, que tentam não deixar espaço para nenhuma falta e o vazio acabam cobrando caro:  a confrontação, a diferença se tornam proibidos.

Por suposto, pessoas mais velhas costumam ser mais ponderadas e flexíveis, e, portanto suportariam melhor as divergências. Mas nem sempre é assim. Resistem a constatar que os filhos são pessoas diferentes deles, tem individualidade própria, portanto pensam e decidem por si mesmos. E mais que isso, não tem nenhum desejo de criar ressentimento, abandonar os pais, não os ouvir e deixar de respeitá-los. Apenas e tão somente querem fazer as coisas do seu jeito o que também pode lhes sair muito caro: culpa, medo da perda e do abandono, do desprezo.

Peço licença às mães para reproduzir seus relatos. Falam por si. Diz uma mulher/mãe da Roda de Conversa: “no começo tudo são flores, depois falam que estou sempre cansada, que não faço nada. Mesmo elas sendo mãe e sogra. Tempo de tela, alimentação eu controlo bem, mas elas fazem que não entendem, ou se fazem de malucas. Senti mais apoio dos profissionais da creche”. Avós insistem em oferecer chás, água para bebês em aleitamento materno, ou um pedacinho de fruta mesmo que o bebê tenha quatro meses. Diz a mãe: “as avós estão loucas para dar”. “Não fui à ceia de Natal porque meu bebê estava muito irritado: agora está todo mundo de cara ruim comigo”. “Quando digo que não quero meu bebê olhando para a T. V e celular, que não vai comer nada alem do meu leite até seis meses dizem que sou paranoica”. “Me mata de raiva, com minha primeira filha fui taxada de extremista. Hoje com sete anos minha filha é saudável e come de tudo. Foi muito tenso”. “Saí como chata da festa as 21 h. Queriam pegar no colo, saracotear com ela. Meu bebê tem 50 dias”. ”Minha cunhada quase deu uma colher de doce para meu bebê de quatro meses, minha mãe conseguiu sair de perto; dão nhoque para bebês de três meses e ainda dizem que eles gostam”.

Sustentar a amamentação exclusiva até seis meses, evitar telas, observar as necessidades do bebê e responder a elas, não é fácil. Sem meias palavras, as mulheres na função de mãe sofrem um assédio violento quando protegem os filhos ao evitar que sejam usados como objetos para diversão dos adultos. Paranoica, extremista, chata são posições difíceis de serem administradas.

As observações das mulheres são bons exemplos de confrontação entre gerações, em que as mães de hoje resolvem cuidar dos bebês de modo diverso que as mães de ontem. Uma pena que as vezes custe tanto sofrimento.

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Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.