Transformações da Maternidade IV

Pós-Parto | 17/01/2025

Função materna: uma construção contínua

 

Vejam a observação que uma das participantes da Roda fez: “Fui almoçar com meu marido e minha sogra ficou com o bebê. Avisei pra ela que o bebê não dormia no berço, só no braço. O pior vocês ainda não sabem: uma hora depois ela manda uma foto do bebê dormindo no berço. Foi só para fazer a mãe passar vergonha, porque depois eu tentei e não deu certo”.

Ofereço um milhão de dólares para uma mãe ou pai que não tenham uma história parecida para contar. Dito e feito: os pais não conseguem fazer isso, aquilo, aquilo outro com o bebê. Lá vem a avó, tia, irmã, vizinha predileta que, com a maior facilidade, sem titubeio, vão lá e conseguem. Não pensem que alguém tem a resposta para a pergunta por que, afinal, isso acontece.  Mas isso não nos impede de fazer algumas conjeturas.

Vale aqui considerar que os bebês são muito mais espertos, sensíveis e sabidos do que seu tamanho e tempo de vida podem fazer acreditar. Tão pequenos e já tão conhecedores das coisas da vida.  A primeira hipótese que fazemos é simples: de colo da mãe o bebê não abre mão. Agora, já que o colo da mãe não está disponível, dá muito bem para desistir do colo ofertado e encarar o berço. O bebê sabe que a avó não é a mãe, a respeito disso ele não faz nenhuma confusão. Então ele espera por uma hora melhor quando terá de volta aquele que é considerado por ele, neste momento da vida, o melhor lugar que alguém pode desejar. Se a mãe amamenta com seu próprio leite, multiplica a hipótese por 10. A garantia que o colo da mãe oferece não é trocado por nada: além de ser a pessoa mais familiar que o bebê conhece é fonte e certeza do prazer de ser alimentado no corpo e na alma… ou, dizendo de outro jeito, alimenta sua existência como pessoa.  Convenhamos que não é pouco.

Há pais – homem pai – que se ressentem do fato do bebê preferir, num determinado momento, o colo da mãe. Principalmente quando está com fome. Dar banho, trocar fraldas, ajudar a dormir, esperar arrotar são funções que agradam o bebê também quando realizadas pelo pai. Pode acontecer que o pai consiga ajudar o bebê a dormir com mais facilidade do que a mãe, por exemplo. É a vez da mãe de se ressentir. Não poucas vezes a mãe recebe uma visita – de algum parente ou amiga – e esta pega o bebê no colo e ele para imediatamente de chorar. Sem esquecer que a mãe havia até ali tentado de tudo e mais um pouco para buscar que o bebê se acalmasse.

Nossa hipótese: depois de estar com o bebê o dia todo a mãe está exausta, e, além disso, desesperada. E o bebê junto. Aquele que acaba de chegar acaba de chegar, portanto não passou o dia todo cuidando do bebê. Está descansada desta tarefa e é essa tranquilidade que ajuda o bebê. Impossível estar tranquila depois de 12, 14 horas lidando com as necessidades de uma criança pequena. A “vergonha” assinalada pela nossa participante da Roda não poucas vezes se faz presente.

Esse é assunto espinhoso e central na vida das mães de bebês: há como que uma expectativa de que a mulher por ser mãe deve saber de tudo o que diz respeito à criança. Na nossa cultura mãe é sinônimo de conhecimento e ciência com os fenômenos e dificuldades que envolvem o cuidado com bebês. Diferente dessa idealização de completo controle e saber sobre o filho, outra é a condição que a mãe tem, por ser mãe, de criar soluções sustentadas pela intimidade com o filho. Soluções que podem ser avaliadas a cada vez, e se não funcionam cria-se e se compõe outras. Ensaio e erro. A experiência da “vergonha” é fruto desta idealização da figura de mãe. Sem dúvida, não há ninguém que não gostaria de ter uma mãe que soubesse tudo a nosso respeito e pudesse se antecipar para tornar nossa vida um passeio. Isso não faz parte da experiência de nenhum de nós. Ainda bem.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.