Esse título desafiador e ao mesmo tempo curioso propõe uma questão interessante. Copio o título de uma mensagem enviada pela enfermeira Juliana Paduan (parceira do Gamp 21) correspondente a uma publicação do Instagram de Verônica Linder. Verônica, indignada, rebate a observação de que apenas as mães ricas podem amamentar porque não dependem do próprio sustento, e têm, além do tempo, todas as comodidades para manter seu bebê sendo alimentado no peito.
E afirma, com todas as letras, que amamentar é caríssimo porque custa tempo, informação, custa educação, energia, saúde mental, e o universo inteiro de disponibilidade.
Insiste que “amamentar não é de graça”.
É no mínimo uma questão polêmica, pois a amamentação chamada de natural vai além de um tema que envolve uma mãe, um pai e um bebê, mas implica toda sociedade que deve levar em conta a saúde da nova geração. Portanto é um assunto de saúde pública, uma decisão política, que abrange questões éticas de responsabilidade. Responsabilidade porque já são sobejamente conhecidos os benefícios da amamentação materna, e tudo que está em jogo: saúde física, psíquica, e social das gerações.
Os estudos de Cesar Victora médico gaúcho, sobre amamentação e cuidados maternos não deixam mais dúvidas sobre seu impacto para a saúde nos países em desenvolvimento. Não é pouco lembrar que suas pesquisas receberam um importante prêmio internacional na área de ciências da saúde. Seus primeiros resultados foram publicados no ano de 1985. Portanto há 37 anos. É um capítulo a parte e não se trata do nosso tema neste momento, mas sempre é bom se assustar como achados preciosos realizados pela ciência levam tempo para serem assimilados e levados em conta.
Cesar Victora é brasileiro de Pelotas, realizou seus estudos no Brasil, os resultados da sua pesquisa foram publicados em língua portuguesa. “O Brasil não conhece o Brasil, o Brasil nunca foi ao Brasil” nos lembra Aldir Blanco. O pior é que “O Brasil está matando o Brasil”.
Saiu no Portal G1, uma notícia vinda de Santa Catarina e escrita por Joana Caldas e Clarissa Batistela: elas se perguntam por que homens que levam filhos ao trabalho são elogiados e mulheres são repreendidas quando, na mesma situação de trabalho, trazem um bebê no colo.
Um advogado levou o filho para uma sessão no plenário do Superior Tribunal de Justiça em Brasília. Divorciado, era seu dia de ficar com o filho, e pediu que sua fala fosse adiantada na sessão. Os colegas receberam seu pedido, considerando-a prioritária e sua participação foi adiantada. Ficaram encantados com a iniciativa do pai de trabalhar e cuidar do filho ao mesmo tempo e ainda elogiaram o comportamento do menino.
Mas essa não foi a sorte de uma advogada, cujo pedido de horário preferencial para fazer sua defesa não foi aceito, apesar da sua justificativa: conciliar o horário de amamentação. Na sessão online no Tribunal de Justiça do Amazonas, ela foi repreendida pelo desembargador, pois o murmúrio do bebê atrapalhava sua atenção. O desembargador violou o Estatuto da Advocacia, ferindo a prerrogativa da mãe. É um paradoxo que o próprio desembargador viole leis e direitos.
O pai solo é visto como herói, elogiado quando é visto trocando fraldas, quando passeia com o bebê. O trabalho das mulheres junto ao bebê é “natural”, isto é, como se fosse da sua natureza se encarregar da prole, e como se por ser “natural” não lhe custasse nada. O seu trabalho torna-se invisível.
O panorama dos cuidados com os filhos já mudou bastante. Mas ainda há um longo caminho para que o trabalho de cuidar e educar seja, de fato, dividido entre o homem e a mulher, enquanto pai e mãe. A anatomia exige da mulher gestar e amamentar, mas nada impede que o pai seja um participante ativo e eficiente. O tal “instinto” materno no qual se insiste para justificar que o trabalho de cuidar da prole caiba prioritariamente à mulher tem sido posto em xeque diante do fato de que muitos homens escolhem para si a tarefa de adotar e criar filhos. Cabe lembrar que na Escandinávia as mulheres têm direito a licença para cuidar dos bebês e depois de alguns meses elas alternam com os homens: eles tiram licença e ficam em casa cuidando do bebê e a mulher volta ao trabalho.
O uso da tese do “instinto” materno que não faz par com nenhum “instinto” paterno, despotencializa os homens na sua capacidade de cuidar, de se aproximar das necessidades do bebê.
Voltando a questão inicial de que apenas as mulheres ricas têm tempo e condições de amamentar pode até um certo ponto, ser verdade. A creche tem recebido bebês cada vez mais cedo porque as mães precisam voltar rapidamente ao trabalho, pois não têm emprego formal que lhes garanta licença remunerada. Nunca é demais lembrar que o ciclo reprodutivo vai da gestação até os seis meses de vida da criança, portanto incluindo o tempo para uma amamentação materna exclusiva.
Em uma pesquisa a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) cobrindo 123 países divididos em renda baixa, média e alta, segundo classificação do Banco Mundial, encontrou-se o seguinte resultado: nas nações pobres apenas 2,3% das crianças nunca receberam leite materno, nas de renda média 4,4% e nas ricas 21,2%. Portanto exatamente ao contrário da afirmação de que apenas as mulheres ricas amamentam.
Uma das explicações para o fato: tem havido um investimento importante da OMS (Organização Mundial de Saúde) nos países pobres para o incentivo à amamentação materna. No Butão, Madagascar, Nepal, Sri Lanka 99% das mães amamentam, sendo que na Irlanda 55% (pior taxa), França 63% e Estados Unidos 74%.
Por outro lado, nos países mais ricos as mulheres pobres são mais vulneráveis em relação à amamentação. Houve época que a indústria alimentícia (de leite artificial) distribuía amostras de latas de leite nas maternidades e as famílias recebiam em casa vendedores vestidos de branco ofertando esse leite. Na década de 2010 um lobby no congresso americano conseguiu aprovar uma versão publicitária favorável à indústria do leite. De um lado a OMS trabalha a favor, a indústria junto com o congresso, contra.
Mas as mulheres têm hoje, entre nós, maternidades “Amigos da criança”, que estimulam a amamentação natural, um número importante de profissionais de saúde que se dispõe a colaborar com as mães na manutenção do aleitamento, bancos de leite, para além dos blogs e sites que oferecem informação. E, para além delas, parcerias como a do Gamp 21.