Vida sexual no pós-parto

Pós-Parto | 08/11/2023

Está é uma questão que de fácil não tem nada. Acompanhamos uma longa conversa sobre o tema no whats app da Roda de Conversa (Gamp 21), e ficamos impactadas com algumas soluções radicais, tomadas provavelmente no impulso, para resolver o problema. É de fato um problema, mas circunscrito a um tempo e a uma circunstância. Vamos a ele.

O melhor caminho para falar sobre o assunto é começando pelos fatos. Imediatamente após o nascimento do bebê, mesmo com a saída da placenta permanece uma “ferida” na parede do útero.  Essa ferida vai sangrar por aproximadamente 10 a 15 dias, mas não há nada de errado se durar um período mais longo.  A cada dia o sangramento vai diminuindo. O colo do útero precisa de algum tempo para fechar quando o bebê nasceu pelo canal vaginal, isto é, por parto normal. O inchaço pós-operatório é comum (retenção de líquido), e pode levar alguns dias para desaparecer. No caso das cesarianas o que vai valer é o tempo de cicatrização da incisão cirúrgica.

Relações sexuais no pós-parto constituem um risco para a mulher: ela pode contrair uma infecção. As entidades médicas recomendam que não haja relações sexuais por um período de 40 dias contando da data do parto. Daí a expressão quarentena ou resguardo para relações sexuais. Podemos considerar o período de 40 dias como sendo o mínimo, e cada casal vai decidir quanto tempo o resguardo vai durar.

Quando a mulher amamenta seu corpo intensifica a produção do hormônio prolactina para manter a produção de leite e diminui o estrógeno (também um hormônio) responsável pela lubrificação da vagina. É por esta razão que o desejo sexual diminui substancialmente. O corpo da mulher que estava grávido agora fica todo preparado para alimentar o bebê. É assim que amamentação – pelo menos nos primeiros meses – não combina com vida sexual, levando em conta a biologia e fisiologia da vida.

Após o parto normal a vagina pode se manter sensível por vários meses. A incisão da cesárea fica dolorida nas primeiras semanas e a região ao seu redor perde a sensibilidade. As mulheres estranham a pele e a sensação que o toque produz.

Nos primeiros dias após o parto as mamas ficam edemaciadas, doloridas, o volume aumenta muito, os mamilos não poucas vezes ficam bastante sensíveis e em alguns casos fissurados. O corpo dói.

Não bastassem as questões biológicas, fisiológicas, ainda há outras tantas que não pesam menos.

A começar pelo fato de que a gestação se dá no corpo da mulher, e para tanto ele muda. Muda muito. E essa mudança exige uma reorganização da imagem de si mesma; o corpo faz parte da nossa identidade, ele a compõe junto com outros elementos. A noção de beleza passa pela forma do corpo, questão relevante na nossa cultura. No relato das mulheres aparece com frequência à ideia de vergonha, de inadequação, desconforto com o próprio corpo quando se trata de voltar a namorar. Afinal com que corpo eu vou para o encontro? E esse que ela tem agora não está na ordem do dia! Parece uma coisa sem pé nem cabeça, mas é com o mesmo corpo que a mulher engravida, dá à luz, amamenta e ainda por cima namora. Como é que faz então? Melhor seria um corpo para cada coisa, mas ainda não chegamos lá.

E o homem namora, se torna pai, cuida do bebê, não há alterações no seu corpo e seus hormônios!

Para além disso, há o cansaço que se mistura com exaustão e franco desespero, a preocupação constante, se o bebê está ganhando peso adequadamente, (o peso esperado pelo pediatra), se evacua direito, se tem cólica, porque afinal não dorme, porque chora tanto…. Sobra algum espaço, energia, disposição? Para além do fato de que o bebê precisa muito de colo e, portanto, habita o corpo da mãe agora do lado de fora.

O temor de uma nova gestação, numa hora de tanto aperto, torna o cenário ainda mais intricado. Para algumas mulheres a ovulação pode começar a acontecer no primeiro mês pós-parto e elas podem engravidar mesmo antes da menstruação voltar. Portanto todo cuidado é pouco. A mulher que amamenta de forma exclusiva pode considerar o aleitamento como anticoncepcional, mas não é uma garantia absoluta. Por isso a mulher precisa fazer uso de algum método anticoncepcional, que se inicia ainda durante a quarentena.

Por último, mas poderia facilmente estar lá no começo do texto, dada sua importância, o companheiro da mulher, pai do bebê, vai fazer toda diferença neste cenário. O pai, quando ocupa o lugar de companheiro e fizer par com a mulher no dia a dia dos cuidados com o bebê, acompanhar suas dificuldades, sintonizar com os dramas cotidianos, tudo fica mais fácil. A mulher ao se sentir acompanhada e respeitada nesse percurso árduo e desafiante, pode vir a ter uma boa conversa e estabelecer um bom combinado que ajude ao casal conquistar um novo encontro, satisfatório para ambos. E aí cabem todos os gostos e desejos que forem bons para os dois. Além da regra do combinado não há nenhuma outra.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.