Nossos bebês nas mídias

Parentalidade | 18/07/2024

Leonardo Neiva publicou um artigo sobre a exposição de bebês na mídia (Gama #241) cujas ponderações consideramos preciosas e de interesse dos pais. Faremos aqui uma síntese do artigo.

No percurso do desenvolvimento dos bebês há passagens tão emocionantes que merecem ser mostradas para os avós, tios, primos e por que não para o mundo todo? O bebê sorriu pela primeira vez, alcançou um objeto, engatinhou. Os pais se orgulham das conquistas e querem dividir seu orgulho, mais do que justificado. As redes não só recebem as postagens como estão o tempo todo à disposição para recebê-las. Há pais que criam perfis nas redes para os bebês e crianças, antes mesmo que elas possam saber do que se trata. Bebês são filmados nas mais diversas atividades e assim ficam expostos para uma plateia online de eminentes desconhecidos. Basta dar um clique e entrar no you tube: impressiona o numero de vídeos onde os bebês são os protagonistas.

Esta prática de expor imagens e informações dos filhos ficou conhecida como “sharenting” (é uma palavra que combina “share” – compartilhar – com “parenting” – parentalidade) tem se espalhado pelo mundo e não está sendo bem-vista por autoridades no assunto. Especialistas em saúde, psicólogos e profissionais de segurança em dados afirmam que a exposição de bebês, crianças e jovens podem levar não só a uma fama indesejável como a exploração comercial e mesmo a ataques e abusos dentro e fora da internet.

Neiva ouve Elora Fernandes, especialista em direitos digitais: de um lado está a liberdade de expressão dos pais e do outro o direito das crianças à privacidade. Os filhos são juridicamente dependentes dos pais, mas estes têm o dever de agir de acordo com o melhor interesse da criança. Daí a afirmação de Fernandes: “os direitos humanos deveriam prevalecer sobre o direito à liberdade de expressão”.

Fernanda Mishima, psicóloga, pondera com Neiva o fato de que já são tantos os adultos que sofrem com a exposição e não sabem que destino dar a ela, deve-se considerar o que fariam as crianças e jovens diante dos “haters”, sempre e todo tempo prontos para atacar sem nenhum prurido, fazendo dos pontos fracos das pessoas em jogo uma verdadeira festa.  Cria-se uma insegurança difícil, senão impossível de administrar.

Um gesto inocente – compartilhar a alegria com as conquistas do filho- pode ter consequências graves que não foram previstas inicialmente.  No período da adolescência a exposição pode causar ressentimentos, ao colocar o desejo dos pais à frente dos interesses do filho.

Mais graves são as postagens que expõe os filhos a uma situação humilhante e constrangedora, onde toda a plateia presente se diverte com a situação.  Configura uma ação de “bullyng” cometida pela própria família.

O que está na internet não se apaga, e este fato pode vir a ter consequências dramáticas. Um acontecimento que ficou lá longe no tempo, mas continua rodando na onipresença da internet pode impedir o esquecimento e continuar machucando. Mesmo no caso de um fato considerado de final feliz o simples contato, mais uma vez, com o fato pode gerar a pressão de uma expectativa irreal.

O problema é tão sério que a Sociedade Brasileira de Pediatria mantém um grupo de trabalho em saúde digital, coordenado pela pediatra Evelyn Eisenstein; ela comenta que no Brasil a proteção de crianças e adolescentes em relação à internet está ainda limitada à classificação indicativa regida pela Justiça, cujo alcance é pequeno. Vejam a observação que ela faz. “A internet é um espaço público. Expor seu filho lá é a mesma coisa que colocar uma criança nua no meio do Parque do Ibirapuera”. Segundo Eisenstein os padrões éticos da UNICEF determinam que imagens de crianças não devam ser compartilhadas online.

Ganhar dinheiro com a exposição de crianças é auferir lucro em detrimento da proteção delas. Crianças não podem arcar com o ônus de se tornar uma eventual celebridade digital e manter essa imagem pública. A proteção da criança se constitui em uma responsabilidade legal e moral dos pais.

Neiva traz o depoimento da advogada Alessandra Borelli, especialista em direito digital e proteção de dados. “Quando compartilhamos qualquer coisa a nosso respeito nos meios digitais, perdemos o total controle sobre esses dados. E não importa se foi num grupo restrito de amigos e familiares, porque um dispositivo pode ser furtado, perdido ou até hackeado”. Todo cuidado é pouco no compartilhamento de endereços, rotinas. As redes de pedofilia estão sempre a procura destes dados.

A proteção inclui além da integridade física a imagem e identidade de crianças e jovens; imagem e identidade são também consideradas direitos fundamentais.

Elora Fernandes aponta que cabe ao governo definir parâmetros legais mais eficientes, e lembra a responsabilidade de empresas que incentivam um excesso de compartilhamento de dados e ainda fazendo uso deles. As autoridades reconhecem a habilidade e destreza das novas gerações no uso de ferramentas tecnológicas, mas “do ponto de vista fisiológico e psicológico continuam seres em condição peculiar de desenvolvimento, desprovidos da capacidade de discernirem os riscos e consequências de seus atos dentro e fora da internet”. Mau humor e cara feia aos “nãos” dos pais são pouca coisa diante do tamanho do problema. Fernanda Mishima acrescenta que esta é uma boa oportunidade para os pais de educar e esclarecer as crianças e jovens.

Educação digital para os pais, cobrança às autoridades por diretrizes mais específicas dentro da Lei Geral de Proteção de Dados são bem vindos.  Internet cem por cento segura é uma ilusão, mas tomar precauções nunca é demais. Alessandra Borelli sugere se manter atento às configurações de privacidade, só aceitar pessoas conhecidas em suas redes, não expor localização, dados sobre a rotina, fotos com qualquer uniforme, localização de clube, academia, fotos com pouca e nenhuma roupa, fotos que envolvam qualquer constrangimento. A advogada insiste no dialogo entre pais e filhos, e lembra que o combinado não sai caro. Não educar nem dialogar pode acarretar muito mais trabalho no futuro.  Pais e filhos devem ter clareza das implicações no compartilhamento de imagens e informações online.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.