Amamentação: diferença entre gerações e gênero

Amamentação | 24/01/2023

O universo dos cuidados com os bebês, especialmente no que se refere à amamentação e sono, são temas que acomodam, sem risco de exagero, um número infinito de textos.

Vamos nos inspirar na Roda de Conversa via WhatsApp, mantida pelo Gamp 21. Ali, uma das participantes descreve uma situação que, embora tenha nos impactado num primeiro momento, representa um enfrentamento, provavelmente comum, para muitas mulheres. Sua mãe, avó do bebê, não lhe poupa críticas e expressa franco desacordo com o fato dela só amamentar no peito e não oferecer mamadeira. A avó, indignada pela “desobediência” da filha e de sua convicção de que o neto está subnutrido, tenta, pela insistência e uso de certa crueldade, infelizmente, se fazer ouvir. A filha, mãe do bebê, administra a situação dividindo-a com o grupo. E cá estamos nós pensando sobre ela.

As mulheres quando dão à luz precisam de ajuda. Por todas e várias razões: a mulher está cansada do tempo da gravidez, da experiência do parto, sensibilizada pelas mudanças que o ciclo traz. O bebê é completamente dependente, precisa de cuidados todo o tempo. A tarefa é extenuante. Além de ajuda, a mãe precisa de companhia para conversar e se reencontrar um pouco consigo mesma. A relação mãe-bebê toma-a, visceralmente, e pede um pouco de descanso. Entre os povos originários (com quem temos muito a aprender) a responsabilidade por um integrante recém-chegado é considerada função do grupo; é o que quer dizer a já conhecida frase de que se faz necessária uma aldeia inteira para cuidar de um recém-nascido. Na cultura ocidental, a nossa, espera-se da mãe, avós, parentes, que colaborem com a mãe nos cuidados da casa e reveze com ela, em alguns momentos, o atendimento do bebê. Principalmente nos três primeiros meses. E neste momento, as diferenças geracionais vêm à tona.

Há diferenças regionais importantes no Brasil no que diz respeito à oferta de atendimento público em saúde, acesso à internet, o que não nos autoriza a generalizações em relação ao aleitamento e à influência entre as gerações. Vale lembrar que a indústria alimentícia, graças à publicidade pesada do leite artificial, sugeriu, durante certo período, a mamadeira como melhor forma de alimentar o bebê. Havia a ilusão de que era possível “medir” quanto o bebê ingere. Há outras medidas tão precisas quanto o marcador de mililitros da mamadeira! A resistência da mãe, citada no início do texto, às propostas da avó do bebê, mesmo diante do uso da autoridade que sua função de mãe lhe proporciona, foi possível graças às informações às quais ela tem acesso em um sem-número de sites, blogs na internet, além, é claro, do resultado obtido no atendimento realizado por médicos e, principalmente, por enfermeiras. O contato das mulheres com os serviços de saúde pública, mais o acesso à internet, introduziu uma reviravolta na relação entre as gerações no cuidado com os bebês. Leite materno, técnicas de amamentação, hábitos de sono são áreas do conhecimento que congregam um grande número de pesquisadores e têm acumulado muitos avanços.

Acreditamos que o desejo das mães de cuidarem do bebê, do seu jeito, à sua moda, afastou a geração de avós, tias, na colaboração com as puérperas. Em um dos textos consultados, uma mãe relata ter se mudado de moradia e cidade, se abrigado na casa da sogra que encampava o aleitamento materno, junto com suas mil e uma dificuldades. Já a sua mãe colocava em dúvida sua competência e habilidade nos cuidados com o bebê, o que provocava não só mais insegurança, como também um sentimento de franca humilhação.

Embora este seja um ponto que não abordaremos – o nascimento de um neto – ele pode significar para uma mulher mais velha a volta da juventude e do protagonismo com os filhos, o que não é mais tão facilmente aceito pelas mulheres do século XXI. É um caso que convida mães e avós a um novo e bom aprendizado, isto é, um novo aprendizado que introduz uma nova possibilidade de relação entre gerações e protege as mães de bebês da sobrecarga e da falta de companhia.

Uma segunda mãe faz uma observação que gostaríamos de analisar aqui: ela está prestes a voltar ao trabalho e envolvida com todas as aflições e perguntas provocadas por esse momento especialmente difícil. Ela faz referência às exigências e à certa má vontade do seu chefe na consideração de alguns direitos. Faz uma observação próxima ao seguinte, diante da resposta do chefe: “ele tem certeza de que fiquei de férias esses cinco meses”. É uma observação contundente, que se põe à vista de quem quiser ver a diferença entre gêneros, diante do nascimento de uma criança.

Um homem, do sexo masculino, no lugar de chefe (não é preciso exigir que ele seja pai ou que tenha qualquer noção do assunto recém-nascido), como se posiciona diante de uma mulher que cuidou de uma criança desde seu nascimento até a idade de cinco meses?  Como se tivesse ficado de pernas para o ar, tomando sorvete e vendo séries na TV a tarde toda, usufruindo do salário sem trabalhar! Esse é, de fato, um dilema mal avaliado. O recém-nascido, no caso, é um cidadão, que necessita de outro cidadão adulto para vir a se tornar daqui a 18, 20 anos cidadão emancipado com a aposta de ser do bem e contribuir para a paz e prosperidade do lugar onde vive. Para tanto, é preciso investimento de tempo, de disponibilidade – o que tem um custo. E o custo é dividido pelo simples fato de ser interesse de todos. De todos. Inclusive do chefe e da empresa onde ele trabalha.

Uma pergunta: será que as mulheres, enquanto chefes, são mais cuidadosas com as mulheres mães que os chefes homens? Uma das mulheres da Roda relata seu constrangimento: de volta ao trabalho mal consegue render. Seu bebê de seis meses dorme pouco durante a noite, e ela, impossibilitada de dormir, faz um esforço gigantesco diante do computador para se manter atenta. Mas muito preocupada com a evidente insatisfação da chefe. Uma trégua seria bem-vinda.

 

Bibliografia

Moreira, M. Nascimento, E.; Paiva, M. Concepções de puérperas sobre aleitamento materno e uso de fórmula infantil. Texto Contexto Enfermagem, v. 22, n. 2, p. 432-441, abr.-jun./2013.

Kuschnir, K. Maternidade e amamentação: biografia e relações de gênero intergeracionais. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 56, p. 85-103, 2008.

Eva Wongtschowski é psicanalista, participa das Rodas de Conversa do Gamp21 e realiza atendimento clínico, presencial e online.