“Perder o pé” é uma expressão que se usa quando perdemos o controle sobre uma situação. Isso no sentido figurado. Antes de entrar na piscina ou no rio a primeira coisa que a gente quer saber é se “dá pé”, se a profundidade de uma ou outro é maior que a nossa própria altura. Pois é, a gente costuma querer um filho, querer muito, às vezes, mas a gente não se pergunta se vai “dar pé” cuidar dele. Não se pergunta pelo simples fato de que se têm tido filho desde há 140 mil anos, e há 50 mil anos um grupo de 600 indivíduos teriam deixado a África para ver se tinha terra lá para frente e o que encontrariam do outro lado do oceano. A mesma curiosidade e esperança além de espírito aventureiro é o que continua fazendo com que escolhamos ter filhos. Embora com uma experiência acumulada de tantos mil anos os pais continuam achando que correm risco de se afogar com um bebê em casa. Há centenas de milhares de profissionais além de muitas outras mães jogando boias, por sinal bem eficientes, que garantem que ninguém precise submergir embora a sensação seja essa: não vai dar pé.
Há um texto da Virginia Woolf, “Um Teto Todo Seu”, escrito em 1928, considerado fundador da crítica feminista em que ela vai pensar sobre a questão de ter filhos e a necessidade das mulheres ficarem em casa cuidando deles. Neste livro ela faz uma lista de grandes escritoras da sua época, que tinham em comum, além de serem escritoras, o fato de não terem tido filhos. Isto é, filhos, até há não muito tempo, inviabilizava as mulheres a “fazerem outras coisas” além de cuidar deles. Até há não muito tempo. Creches, escolas infantis, babás, avós, avôs, tias, além da necessidade das mulheres trabalharem para a sobrevivência da família, mudaram esse cenário. Seria interessante fazer uma nova relação de escritoras e constatar que a maior parte delas têm filhos e as vezes muitos. Que bom, os tempos são outros. Mas cuidar de bebês adquiriu novos e difíceis contornos.
Os novos pais não têm contato, ou muito pouco, com bebês e crianças pequenas. E são pegos desprevenidos com as exigências que envolvem cuidar de um recém-nascido. Há surpresa com o fato de o bebê não dormir 8 horas de sono noturno, do bebê chorar, ter cólica e muita dor na barriga, do bebê precisar de colo, muito colo. Que ser é esse?
À mulher cabe de fato o pedaço mais difícil desse latifúndio: a existência do bebê e suas necessidades tira a mulher completamente do caminho, qualquer que seja, que estivesse trilhando: ela deve abrir mão, por um período, de tudo, praticamente tudo do que vinha FAZENDO antes, e mais que isso, do que ERA antes. Há uma reviravolta na experiência de identidade (quem sou eu), dos projetos, dos ideais. Embora a mulher ganhe a maternidade ela também perde muito. PERDE PARTES DE SI MESMA. Sentimento difícil e em geral vivido solitariamente. Há coisas nas quais a gente só acredita quando experimenta por si mesma (e o pior é que depois de algum tempo a mulher esquece…. e as chefes e patroas também….). E não há área da medicina que acolha essas experiências. Mas a psicologia, psicanálise têm se dedicado a esse tema há bastante tempo*. Infelizmente as mulheres ainda têm muito pouco apoio nesse período.
A rapidez das mudanças trazidas pelo avanço da ciência que implica em mudanças nos cuidados com os bebês, dificulta a conversa entre gerações mesmo quando há tentativas de aproximação. As avós estranham o que os filhos fazem e principalmente NÃO fazem com os bebês, e a ajuda que as mulheres poderiam receber às vezes fica mais difícil.
A noção do tempo e do espaço mudou. A velocidade engoliu o que antes entendíamos por tempo e espaço. Tudo é ou deve ser rápido. Por que não: podemos cozinhar, participar de uma live, dar uma olhada no celular e se for o caso responder à mensagem que acabou de chegar. Embora os neurologistas digam que para nossa saúde cerebral esse negócio de multitarefas ou multi ações faz muito mal, é o que temos feito. E qual é o problema? O problema é que o tempo do bebê é OUTRO. COMPLETAMENTE outro. E o bebê não pode e não deve ser apressado. É contraprodutivo, ou pior, estressa e confunde o bebê. Essa é uma das revoluções que as mulheres têm que fazer: mudar o ritmo, introduzir um tempo que elas mesmas não conhecem mais e pior que isso, que elas não tinham mais o luxo de viver. O bebê gosta de ritmo calmo, previsível; deixá-lo fruir a mamada, o banho, o colo, a conversa. A pressa assusta o bebê, deixa-o apreensivo. Nada de rock, sambão, funk. Só samba canção, o som de um piano suave e leve, canção de ninar. Isso num primeiro tempo. No segundo, a música pode ser do gosto da família. No primeiro o melhor é ser a do gosto do bebê. Até disso a mulher tem que abrir mão.
*O Gamp21 trabalha com a gestação e o pós-parto. Realiza Rodas de Conversa semanais e mensais com mães de bebês e crianças de 0 a 6 meses e até o 2º ano de vida.